sábado, 31 de janeiro de 2015

A vitória da frente popular grega e o caminho a seguir

                                            publicado no blog da RPR                                                                                                            http://resistenciapolularrevolucionaria.blogspot.com.br/



A vitória do Syriza nas eleicoes gregas foi o assunto da semana. E nao é pra menos; um partido de esquerda ganhando 149 das 300 cadeiras de um parlamento, ficando só duas cadeiras aquém do número necessário pra governar sem coalizao alguma, realmente é um feito inédito,

A priori é motivo de comemoracao. Poderia ter havido vitória da direita. Isso sim seria complicado. Mas foi a esquerda que capitaneou o descontentamento das massas com as políticas de austeridade, quando, em toda a Europa, é justamente o contrário que tem acontecido, com o crescimento vertiginoso de grupos fascistas que aumentam consideravelmente suas bancadas parlamentares. Nesse sentido, podemos notar avanco da conciencia dos trabalhadores gregos, hegemonia política das ideias democráticas e socialistas. Os mesmos ventos sopram na Espanha, num projeto encarnado pelo Podemos, de Pablo Iglesias.

Contudo, o avanco ainda nao é revolucionário. Pra gerir o estado burgues grego, o Syriza fechou acordo com um partido da direita e topou soltar uma carta acalmando os banqueiros. Trata-se de um governo de frente popular, reformista. Está clara a delimitacao do projeto. O que intriga a todos é que o Syriza banque realmente a reforma. Ouvi um amigo dizer: É a primeira vez em 30 anos que vejo um governo reformista fazer reformas!

E isso é incrível. Um dia após a vitória eleitoral, o desengravatado Tsipras já efetivava diversas promessas de campanha, afrontando a burguesia grega e o imperialismo, se negando, inclusive, a aderir a sancoes da Uniao Europeia contra a Rússia.

Ok, sabemos que o Syriza está legitimando 50% da dívida, e que vao aceitar renegociá-la para continuar seu pagamento; sabemos que esse mesmo Syriza pode estar operando como um eficaz mecanismo de contencao social em um país quebrado pela crise e por anos de austeridade e penúria; mas estamos tratando de um governo eleito. Ou alguém em sa consciencia vai dizer que o Syriza é o bolchevismo do século 21?

Óbvio que a tarefa da esquerda revolucionária é fazer a revolucao, sem se contentar com etapismos, com pequenas ou grandes reformas por dentro do sistema; mas nenhum revolucionário de verdade vai deixar de lutar pelos direitos mais elementares da classe trabalhadora. Todas as medidas populares desse governo eleito já sao conquistas da classe trabalhadora grega. E a esquerda revolucionária tem de defende-las.

Os trabalhadores gregos optaram por uma experiencia com o Syriza, e precisamos entender essa opcao, respeitá-la, deixar que ela aconteca. A frente popular deverá ser superada adiante, mas que seja superada a esquerda, e nao esmagada por um golpe direitista ou coisa que o valha.

É cedo ainda para caracterizacoes mais precisas. É preciso dar tempo ao tempo, observar atentamente os próximos acontecimentos. A verdade é que a Grécia está em calamitosa situacao por conta de uma das maiores crises do capitalismo, e que uma das solucoes encontradas pelo establishment é socializar perdas pra privatizar ganhos. Querem descontar a crise nos ombros dos trabalhadores. E a populacao grega rejeitou isso nas urnas. Oxalá essa mesma populacao nao se de por satisfeita e siga nas ruas pra exigir que o Syriza vá ainda mais adiante no rompimento com a troika e com os banqueiros. É tarefa dos revolucionários levar o proletariado a assumir tal postura.

Ademais, a esquerda revolucionária estará nas ruas pra reivindicar os interesses dos trabalhadores, pra exigir que o Syriza jogue um papel progressivo e garanta os direitos que a burguesia ousou retirar. Mas essa mesma esquerda também estará nas ruas pra defender o Syriza de qualquer ataque da direita ou do imperialismo.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Público e privado na educação: Uma relação fatal

                                          da época de movimento estudantil


 
No atual sistema capitalista de cunho neoliberal, a delimitação entre
público e privado é uma linha muito tênue. O que acontece é uma
relação muito promíscua entre poder político e poder econômico em
favor dos interesses em comum de ambas as camadas, que na verdade
formam uma só camarilha burguesa que perpetua e gere os negócios do
grande capital.

Na educação os efeitos de tal política configuram uma desgraça sem
tamanho. A começar pela verba pífia que a união destina para o setor,
apenas 3% do orçamento da receita anual, enquanto que o pagamento de
juros e amortizações da dívida pública consomem cerca de metade do
orçamento. Ou seja, o dinheiro advindo dos contribuintes, que são
esfolados pelas altas taxas de impostos, vai quase todo pra mão de
banqueiros e mega-especuladores rentistas donos de títulos da divida.

Não bastasse essa lógica perversa de distribuição dos investimentos
orçamentários, a união governa descaradamente em favor dos grandes
capitalistas da educação, que lucram rios de dinheiro fazendo do
ensino uma ação meramente mercadológica.

No Brasil são exemplos disso o Prouni, a entrada de capital privado
nas instituições públicas de ensino e as terceirizações de serviços
secundários no seio da vida acadêmica.

O Prouni consiste em conceder incentivos fiscais aos tubarões da
educação em troca de bolsas parciais e integrais para vagas que
estariam ociosas. Ou seja, o governo libera verba pública pra garantir
o lucro e a manutenção dos negócios do empresariado da educação quando
deveria investir dinheiro público na educação pública, que por sua vez
se torna cada vez mais sucateada. Isso é o poder político servindo ao
poder econômico, e isso por troca de favores como financiamento de
campanha, caixa dois, lobbys atrativos e rentáveis e coisas
inescrupulosas a dar com pau.

Enquanto isso na universidade pública as deficiências crescem em ritmo
alucinante. O Reuni, por exemplo, expande vagas no ensino superior
público, mas sem comprometimento algum com a qualidade dos cursos
ofertados. O governo cria campus universitários sucateados e até mesmo
obsoletos e manipula os números nas propagandas com intuito
eleitoreiro.

As fundações privadas dentro das instituições públicas e a
terceirização de serviços como segurança, limpeza, alimentação e
fotocopiadora abrem espaço para interesses especulativos e licitações
fraudulentas, jogando tudo na mão da iniciativa privada que,
obviamente, não prima pela qualidade do trabalho, mas pelo lucro,
criando postos de trabalho de verdadeiros subempregos onde o
trabalhador é extremamente explorado pela sede de lucros do patrão.

Educação não deve ser tratada como mercadoria, e sim como direito do
cidadão. Nesse sentido, a luta do movimento estudantil organizado e
combativo é pela derrubada desse sistema que permite toda essa lógica
perversa. A luta passa também por melhorias específicas, mas deve
avançar na raiz do problema e tratar da questão geral que assola nosso
mundo, a saber, o capitalismo, sistema de desigualdades e injustiças,
que garante a poucos o acesso ao ensino de qualidade e priva a
esmagadora maioria de seu direito à educacao.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Velada Bacante

                             soneto

O falso pudor de uma jovem
Que na sombra adere a orgia
Regala em seu seio a desordem
E passa incólume ao dia

A tez alva que então reverbera
A pureza por todos sentida
Não revela o que já fizera
Na alcova em seus anos de vida

Com destreza entregando-se ao vício
Esta heróica e velada bacante
Preferira o prazer ao suplício

E estando da morte distante
Não restava-lhe outro indício
De forma alguma gozara o bastante



sábado, 24 de janeiro de 2015

sábado, 24 de janeiro de 2015

Morreu o rei?


 por Mário Medina



Morreu essa semana, aos 90 
anos, o rei saudita Abdullah Bin Abdulazis. Notícia irrelevante, sejamos sinceros. O que a mídia burguesa nao diz é que o sujeito nao passava de um fantoche dos EUA, que bateu as botas pra dar espaco a outro da mesma laia. 

A Arábia Saudita é vizinha do Iraque, da Síria e do Ira, ou seja, um ponto estratégico da geopolítica do Oriente Médio, e joga um papel de relevancia no cenário político local, sobretudo como enclave do imperialismo ianque na regiao; além de figurar como país mais rico do Oriente Médio, um dos países mais poderosos da OPEP.

Os EUA intervém de vários modos na regiao: financiando mercenários e terroristas em guerras civis, derrubando governos, atacando drones em cabecas inocentes, etc. Todo tipo de atrocidade eles fazem. Isso é de praxe pra eles e todo mundo sabe disso.

Pois bem, estao fazendo um desmanche político na regiao e nao querem de modo algum que haja mudanca no regime saudita, que, em meio a tantas instabilidades, é um importante aliado. Sao muitos os territórios em disputa na regiao, com diversos grupos, diversos interesses, conflitos sectários aos cantaros. O destino de países como Iraque e Síria, por exemplo, é incerto. Em meio a todas essas disputas, só a Arábia Saudita é reduto seguro para as maldades ocidentais.

Abdullah chegou a ser suspeito de financiar a al Qaeda na época dos ataques terroristas as torres gemeas, mas recuperou a simpatia ianque ao aderir a Guerra ao terror que veio logo em seguida, se mostrando um fiel escudeiro dos espoliadores. O governo saudita é uma vergonha para os árabes, uma vergonha para o Oriente Médio. O rei abdullah assistiu em silencio ao ataque genocida a Gaza. foi fiel representante da alta burguesia sunita e dirigiu um governo inimigo dos direitos humanos e dos direitos civis das mulheres e das minorias.

Nao morreu um homem. Morreu um fantoche. E vai surgir outro em seu lugar, por mais intrigantes que sejam as disputas internas pela sucessao. O nome do novo líder terá de passar pelo crivo americano, terá de ter a bencao do Tio Sam. Dizer que o rei saudita morreu nao é notícia. Aguardamos ansiosos o dia de falar que o rei caiu, mas que em seu lugar surgiu uma nova forma de poder, popular, multiétnica, socialista e soviética.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Clamor

                                poema

Porque necessito ardentemente de teu colo,
Eu peço do teu leite que me nutre
Do liquido viscoso de tua seiva rósea
Cede-me o teu púbis como almofada onde
                                              [ eu reclino o meu rosto
Oferece-me o beneplácito de gozar o visceral
                                     [ odor das tuas funções vitais,
O febril calor do teu jovem ventre
Envolve-me em teus membros carnudos
E, por piedade, desliza tuas mãos nos meus cabelos
Se eu desfalecer, guarda-me a quietude
E, por fim, quando eu estiver já distante nos sonhos,
Pode então retirar-se
Mas ao meu próximo clamor,
Socorre-me da pétrea realidade
Para novamente esconder-me no interior de tua compaixão.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A calamitosa situação da classe trabalhadora brasileira

quarta-feira, 26 de março de 20

                           publicado originalmente no blog da RPR, na data acima mencionada
                                                 http://resistenciapolularrevolucionaria.blogspot.com.br/ 
Ontem, numa ida ao supermercado, fiquei chocado ao conversar com uma funcionária sobre seu salário e sua jornada de trabalho semanal. O leitor pode ficar curioso sobre como se deu tal conversa, qual sua finalidade, etc. Faço questão de contar o acontecido.
Fiz normalmente minhas compras, como em todas as terças-feiras costumo fazer. Devo dizer que fiquei chocado com o tomate a mais de sete reais o quilo e decidi não levar, mas comprei frutas, granola, leite de soja... enfim, uma compra como qualquer outra. Mas ao passar no caixa, vi que tinha algo errado com o preço de meia dúzia de bananas da minha compra. Um erro na digitação do código tinha passado as bananas com o preço de um pão de mais de seis reais. Alertei a funcionária do caixa e ela solicitou a ajuda de outros funcionários para cancelar o cômputo e passar o código certo da banana, operação que levou coisa de dois minutos.
Nesse ínterim, conversei com ela sobre sua rotina no mercado. E eis que num breve bate papo a moça me contou alguns detalhes de sua rotina de vida e trabalho. Disse que estava muito cansada, que trabalhava cerca de 50 horas semanais em um esquema de banco de horas, e que recebia cerca de R$ 950 por tal trabalho. Ponderei se não era o caso de abandonar o trabalho em questão para cuidar de achar coisa melhor. Ela respondeu que dependia do trabalho, que nao haveria como sustentar sua casa até encontrar outro trabalho, que não poderia arriscar pois cuida da mãe cardiopata que necessita de remédios caros, num valor de cerca de R$ 500 mensais.
Inclusive a moça me disse de um noivado que teve de romper por falta de tempo, porque o trabalho lhe consome todo o tempo, e que na sua única folga semanal costuma passar cerca de seis horas numa fila de uma espécie de farmácia popular de medicamentos de alto custo, que o governo oferece a troca de muita burocracia e chá de cadeira.
Essa é a dura vida do trabalhador brasileiro. Mas poderíamos ainda acrescentar o dispêndio de tempo para se locomover de casa ao trabalho e vice-versa. A moça me disse que entra às 16:00 e sai às 01:00. Coloquemos aí uma hora ou uma hora e meia a mais, em condições ruins, com transporte público geralmente lotado, em condições degradantes e tal. Tudo isso por um salário miserável. Se ela tiver de pagar aluguel, provavelmente gastará quase todo o dinheiro do salário. Mas ainda tem a comida, a água, a energia elétrica, os custos com vestuário, higiene pessoal, etc. Trata-se de uma moça solteira, o que quer dizer que o máximo de renda familiar com que pode contar é a aposentadoria da mãe. Como os aposentados brasileiros recebem uma miséria , podemos concluir que a renda mensal da moça é mesmo muito baixa, e podemos imaginar todo malabarismo que ela deve fazer para arcar com suas contas.
Ela trabalha em um hipermercado conhecido nacionalmente. Seu patrão deve faturar milhões todos os meses. Imaginem a taxa de lucro e rendimento dos proprietários e acionistas das grandes marcas que se pode encontrar a venda nas gôndolas do mercado, e o quão pouco seus empregados ganham na produção e no transporte das mercadorias. A banana que eu comprei, por exemplo, quanto será que ganha um trabalhador pra colher cachos de banana? Suponho que seja muito pouco. Mas posso supor o bom lucro do patrão. Ou seja, paramos pra imaginar os rendimentos de trabalhadores comuns e seus respectivos patrões e estamos diante de todo um ciclo de exploração do homem pelo homem, de extração de mais valia, de alienação do trabalho e da vida, de condições desumanas impostas à uma classe por outra classe parasita detentora dos meios de produção e do capital.
Esse é o Brasil em que vivemos; o país dos sonhos de Dilma e PT, o país de FHC, de Collor, Sarney, dos milicos que os antecederam... e por aí vai. Toda uma história de opressão e abusos. Esse é o sistema ordinário em que vivemos, onde 99% trabalha feito gado para que 1% usufrua dos benefícios da produção alheia.
Se os canalhas capitalistas querem contar com a força de trabalho do povo, que paguem um salário digno. Nós não aceitamos como justo e suficiente um salário abaixo de R$ 2,750. E também não aceitamos que trabalhadores sejam vitimados pelo excesso de horas trabalhadas. O trabalhador precisa dispor de tempo pra família, pro lazer, pro estudo e pra cultura. É inadmissível que um trabalhador tenha que produzir feito um escravo, ou que viva exclusivamente em função do trabalho.
Se os capitalistas nao querem arcar com os custos de uma sociedade mais justa, então que nao haja mais capitalismo e capitalistas. Sendo assim, lutaremos e faremos a revolução, implantaremos o socialismo e faremos que haja justiça. Mas não podemos nos conformar com essa desgraça toda. O capitalismo caminha inexoravelmente pra barbárie. Ou rompemos com isso ou chegará uma hora em que as coisas ficarão impossíveis.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Alienação do trabalho em Lukács e Holloway

                                                     http://resistenciapolularrevolucionaria.blogspot.com.br/ 

                                                                          publicado originalmente no site da RPR


No capitalismo, a força de trabalho do proletário é uma mercadoria que este vende ao patrão em troca de um salário, geralmente uma quantia paga em dinheiro mensalmente. A partir de então o trabalho do proletariado passa a ser de propriedade do capitalista, que se utiliza do trabalho de seu assalariado como bem entende. 

Nesse processo de venda da força de trabalho, única saída que o operário tem para sobreviver na ausência de posse dos meios de produção, sua forca de trabalho é submetida ao trabalho abstrato, inserido no contexto de divisão internacional do trabalho, numa lógica de racionalização da produção de mercadoria que elimina do trabalho humano toda sorte de propriedades qualitativas que poderiam ser encontradas nessa atividade. O trabalho como produção capitalista de mercadoria perde todo caráter subjetivo natural do trabalho humano.

Fragmentado em diversas fases na linha de produção capitalista, o trabalho, abstratamente racionalizado e mecanizado que é, interrompe a relação do trabalhador com o produto acabado, que neste estágio se elimina e reduz o trabalho do operário a um simples ritual de repetição mecânica de uma fase especifica do processo de produção da mercadoria, o que configura um trabalho alienado, posto que o trabalhador é cerceado de suas qualidades psicológicas em função de uma objetividade produtiva racionalizada, calculável, mensurável no tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma determinada mercadoria.

O trabalho do operário é incorporado como parte mecanizada de um sistema que funciona independentemente e a cujo funcionamento ele deve se submeter, numa atitude contemplativa, de quem perde sua atividade critica, e em contrapartida se tornar um sujeito passivo diante da
engrenagem do capital ao qual esta literalmente vendido. 

Nesse contexto, segundo Lukács, se configura a redução de espaço e tempo a um mesmo denominador. O tempo ganha uma característica de homogeneidade dentro do processo de produção e o homem perde em personalidade. O tempo perde seu caráter qualitativo, mutável, fluido e da espaço a uma realidade de precisão, mensurabilidade, reificacao, trabalho mecanicamente objetivado. 

O homem se torna um ser impotente diante da dinâmica capitalista deprodução, que, aos seus olhos, se converte em num sistema que lhe é estranho
Jonh Holloway fala em reino do ser e da identidade para analisar ofenômeno da abstração do trabalho. Para ele, a separação do fazer em relação ao feito configura uma ruptura de um fluxo que priva o fazer de seu movimento natural.

Uma vez que se rompe o fazer, se nega a contradição e a identidade domina. E a identidade implica a homogeneização do tempo, quando o fluxo do fazer é interrompido e se sujeita o fazer ao feito, num processo de acumulação quantitativa, contida, alienada. O trabalho se mede quantitativamente, mensurado em horas. O fazer das pessoas seconverte em algo limitado, regido pelo interesse do capital, que as recompensa em dinheiro, tudo num ritmo preestabelecido. 

Ou seja, o tempo perde seu caráter qualitativo, mutável e fluente e se cristaliza em um continuum delimitado e mensurável. O tempo perde sua intensidade subjetiva.
O tempo se converte no tempo do relógio, tempo que se move e que permanece imóvel, rotineiro. 

O movimento também se converte em tempo do relógio, movimento de um objeto sem sujeito, movimento que se torna coisa, movimento em vez de um mover-se.
Retomando, o feito é separado do fazer que o fez. No capitalismo, a mercadoria feita pelo operário é propriedade do empregador; se tornou uma mercadoria a ser vendida no mercado, e sua existência está completamente separada de sua constituição. O feito nega o fazer. Oobjeto nega o sujeito.

O objeto constituído adquire uma identidade durável, se converte em uma estrutura autônoma do sujeito que foi seu fazedor. Deste modo, se pode concluir que a relação entre o processo de abstração do trabalho em Lukács e o reino da identidade analisado por Holloway tem em comum não apenas o escopo de apontar a alienação do trabalho do operário em relação a mercadoria e seu processo de produção, mas apontar também o caráter de usurpação do tempo criativo do homem pela lógica capitalista de produção. 

O processo da linha de produção é um processo que desumaniza e torna demasiado superficial o trabalho do homem, um processo que lhe nega uma relação plena de sentido entre seu trabalho e o produto de seu trabalho, que o faz agir mecanicamente, quando poderia ter liberdade de criatividade e subjetividade garantidas em uma tarefa na qual despende uma quantidade razoável de sua vida.

Tanto a análise de Lukacs como a análise de Holloway demonstram o primado do objeto sobre o sujeito, da mercadoria sobre o seu produtor no sistema capitalista, a alienação que esta realidade provoca, a castração da criatividade do intelecto e do engenho na atividade laboral do homem.

O trabalhador merece ter plena ciência de seu trabalho, ser senhor das coisas ao invés de ser submetido a elas. É o trabalhador que tem de se afirmar, e não o fetiche do produto de um sistema viciado de produção que reifica e aliena.


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Retomar a Teologia da Libertação na América Latina

Resenha publicada no blog Dorothy Stang       http://nucleodorothystang.blogspot.com.br/


O texto que segue é uma resenha de trechos da fase conclusiva de uma conferência ministrada pelo padre José Comblin, realizada em Setembro de 2006 na cidade de São Paulo.


Muitas vezes nossas estruturas eclesiais são mais burocráticas do que evangélicas. É necessário ter estrutura? Sim, evidente, mas as estruturas devem servir ao escopo de evangelizar. Nesse sentido, o desafio do povo de Deus é criar estruturas em função da evangelização, e não da administração apenas.
Em geral os seminaristas, padres e paroquianos estão envoltos em querelas acerca da estrutura local, encastelados em seus interesses mais pragmáticos, quando na verdade deveriam estar em movimento permanente de missão junto aos enfermos, favelados e nos demais nichos de exclusão social, marginalização e instabilidades variadas. Os cristãos precisam sair de suas estruturas para dialogar com esses irmãos e expressar a força vivicante do evangelho, que se dá nessa relação amistosa de convivência e fraternidade.
Estar presente no meio da humanidade e levar o testemunho da libertação que Cristo traz é aquilo que a igreja militante necessita fazer, e com urgência. Os documentos publicados pela CNBB, por exemplo, são muito gerais, genéricos, pouco lidos, sem inserção considerável na sociedade e mesmo entre os fieis da Igreja. Isso não é estar presente no meio da humanidade.
Evangelizar é conversar, porque, se não for desse modo, se fala ao vento, se fala sozinho, se cria uma situação de desconforto, de superioridade, e o que é pior, de falsa superioridade. É esse contato com o mundo do outro que obriga a repensar, que obriga a reformular, que obriga a enxergar questões, situações, provocações e assim por diante.
O papel dos leigos nessa tarefa é imprescindível, porque estão numa situação mais favorável ao passo que não estão vinculados a uma hierarquização sufocante, que cerceia a liberdade e a criatividade evangélica. A verdade é que a estrutura eclesial pode ser uma tentação e uma efetiva prática de monopolização das tarefas pelos padres e pelos bispos.
O código de direito canônico resguarda os leigos nesse sentido, lhes reconhecendo o direito de formar associações , com a condição de preservar a fé e a moralidade. Em caso contrário, o bispo pode intervir. Mas se não houver grande escândalo contra a moral nem negação formal de um dogma, não deve haver intervenção. A primeira condição para um trabalho profícuo é a autonomia em relação as paróquias e dioceses.
Já passa da hora de se retomar uma orientação para o mundo social, para o mundo operário, para além da comunidade local, englobando as diversas demandas de lutas sociais que existem nas grandes cidades.
Dizia um sindicalista francês que a igreja se afastou deles, que não os reconheceu mais, não se meteu mais entre eles, abandonando esse trabalho. E isso na maioria das vezes se estende às favelas e outras realidades de exploração do homem pelo homem e de desrespeito aos diretos humanos.
Dessa ausência da Igreja surgem centenas de igrejas pentecostais nos bairros periféricos e nas comunidades carentes. Eles assumem o trabalho que a Igreja não dá conta de fazer, ou simplesmente se nega a fazer ao abandonar o mundo dos pobres, negando a opção preferencial de Cristo pelos excluídos.
O meio universitário poderia oferecer novos quadros de luta social e evangelização. A hierarquia não tem tomado iniciativa, as universidades pontifícias somente atrapalham. Mas a impressão que se tem é que nos meios universitários e intelectuais não há cristãos, pelo menos cristãos dispostos em assumir a vocação da profecia nesse meio. Falta vontade, como nos profetas, de realizar, de sair do mundo das ideias para uma práxis de libertação, de um rompimento com um discurso incipiente e raso para uma atuação efetiva nos meios onde é possível arregimentar pessoas com desejo de mudança.
O essencial é saber o que fazer e fazer, realizar. Entender é uma coisa, querer é o que resolve. As pessoas oram mas não dão vazão ao Espírito Santo que as envia à determinada missão. É preciso romper com o conformismo, com o isolacionismo, assumir a tarefa de anunciar um mundo novo,
Retomar a Teologia da Libertação também passa por um ato de coragem e despojamento, abandonando o conforto e a segurança do sofá de casa para entrar nos guetos onde os pobres padecem toda forma de opressão, lutar ao lado deles e defender a vida.
Na contramão da Igreja indiferente e aliada dos poderosos, os militantes que reivindicam a Teologia da Libertação tem de tomar seu lugar na luta dos povos subjugados da nossa América latina, tão vilipendiada pelas forcas imperialistas e sanguinárias do grande capital.

Opinião

                                                                                 poema

Você esbarrou nas palavras
E ali permaneceu estática;
Num êxtase frívolo,
Em letras garrafais

Caráter idiossincrático estranho.
O mundo tangível acenando...
Em opiniões abstratas
Divaga o discurso ontológico

Feio, bonito, regular
Naquilo que não vemos;
Discussão  discursiva, óbvio;
Distante do tato epistemológico surdo

A verdade existe, minha cara?
Persuade-me a eloqüência 
Apaixonante da extensão;
Da tua língua, por exemplo

Momento

                                        poema

Eu te desconstrui em mim
Nos meus devaneios insones
Na alvorada da minha loucura

E te procurei outra vez
E te achei...
Recomposta, inteiriça, sublime...
Sorrindo pra mim no nosso mundo em suspenso

Então reparei mais detidamente na tua boca pequena
E, na tua estatura,
Ao te envolver num abraço,
Senti tua aura!
Ali todas as tuas partes formavam cortejo nos meus braços

Foi quando ponderei a possibilidade de te pedir pra mim,
De te levar comigo,
Te completar pra sempre
Mas você seguiu e passou
E inexorável partiu...


O homem cordial, o inveterado perfil brasileiro

Resenha do lendário texto de Sérgio Buarque




O brasileiro, segundo Sérgio Buarque de Holanda, é o homem cordial, não tanto no sentido de cordialidade como sinônimo de afabilidade, polidez, mas pelo sentido etimológico do termo, oriundo de coração. O brasileiro é o tipo de pessoa que se guia mais pelo coração que pela razão, mais pela amizade e pela intimidade, que pela impessoalidade e horizontalidade republicana.
Obviamente que isso configura um desvio de caráter de sérias conseqüências no trato da coisa pública, que mormente implica em relações sociais balizadas por sentimentos de familiaridade, em detrimento do que Holanda entende ser o correto, a saber, a impessoalidade mesma, o ideal de uma sociedade regida por relações horizontalizadas de respeito à vontade geral dos cidadãos, justa, com iguais condições para todos.
No Brasil, as coisas naro funcionam com a seriedade esperada de uma nação civilizada nos padrões clássicos, a exemplo do mito grego de Creonte, que encarnava a noção abstrata e impessoal de cidade.
O brasileiro tem um vicio peculiar, uma característica degradante que o faz se aproximar com interesse dos seus concidadãos e tratá -los com intimidade, para, assim, obter favores e benesses.
Muito disso guarda origem na questão da educação, por muito tempo confiada às famílias, ao invés de ser competência do estado, o que, segundo Hollanda, acostumou mal a maioria dos filhos de muitas das mais influentes famílias do país.
O movimento de envio dos filhos para os grandes centros urbanos, com o intuito de confiá-los às universidades, especialmente na função de bacharéis em direito, dinamiza ainda mais a discussão em torno da questão da educação.
Hollanda afirma que os rapazes, ao saírem de casa para se instalar longe das famílias, se portavam com grande dificuldade, apresentando características de infantilidade, de verdadeiro despreparo para lidarem sozinhos com os desafios habituais da vida.
Logo, a educação confiada ao estado, desde cedo, ajudaria não só na unificação de um currículo prévio para o ingresso nos bancos de universidade, como também na formação de homens forjados no convívio comum, na sociabilidade que os jovens não podem encontrar no âmbito exclusivo da família, que em muitos casos impede o  pleno desenvolvimento de seus filhos.
Hollanda então defende teses de pensadores contemporâneos, sobretudo das áreas de pedagogia e psicologia, enfatizando que a educação deve ter por finalidade estimular as crianças no reconhecimento de foyrmulas razoáveis, para superar os erros dos pais ao passo que criam suas próprias individualidades, se adequando às necessidades de iniciativa pessoal e concorrência honesta entre cidadãos.
Todos esses argumentos traçam a necessidade de uma educação vocacionada a distinguir o público do privado. O grande mal do brasileiro seria se apropriar do público como se este fosse privado. Por isso a necessidade de uma educação que delineie muito bem a zona limítrofe de ambos.
Como a definição de Weber, que separa o funcionário patrimonial do puro burocrata, distinguindo com firmeza o sujeito que apropria-se do cargo para beneficiar-se, do funcionário objetivo, especializado. Existe a necessidade de imprimir a característica de um estado com cargos lotados por ordenação impessoal.
Tal estrutura administrativa, com predomínio de um corpo de funcionários dedicados a interesses objetivos e coletivos, nunca houve no Brasil. Ao contrário, o que sempre predominou foi o aparelhamento do sistema administrativo do Estado,  em círculos particulares, com especial destaque para as associações familiares.
No homem cordial, como bem salienta Hollanda, a vida em sociedade é uma libertação para as exigências individuais, para o fracasso particular. O homem cordial busca na alteridade aquilo que não é capaz de conseguir por seus próprios méritos. Trata-se de uma fuga, de um apoiar-se em uma estrutura externa a si próprio, um acomodar-se.
Por isso o jeito expansivo de ser do brasileiro, a tendência a abolir formalismos e imprimir intimidade, por interesses, afagando o ego de outrem na tentativa de conquistar seu coração, seu afeto, para, em contrapartida, beneficiar-se com a reciprocidade alheia.
Não há esforço individual aqui, boa vontade ou espírito ético e equânime, mas sim arcos de alianças interesseiras e superficiais, ao passo que a cordialidade e o sentimento do coração não passam de formas ocas de sentido, de interesses mesquinhos e imediatos.
Todos esses hábitos, arraigados na cultura do brasileiro, trariam dificuldades ao espírito provido de raciocínio abstrato. O convívio ditado por éticas de fundo emotivo é o que há de mais característico no brasileiro.
Mesmo na religiosidade do povo é possível perceber essa inclinação para a familiaridade, como que para conquistar a simpatia dos santos de devoção e assim alcançar graças suplicadas.
O brasileiro tende, no seu excesso de intimidade, a até mesmo suprimir a hierarquia habitual entre o elemento humano e divino, carnal e espiritual, o que configura uma característica ímpar, em contraposição ao modo palaciano como os portugueses reverenciavam suas entidades, por exemplo.
O basileiro não se apega ao ritual, pelo contrário, afrouxa-o, o que parece, aos olhos dos mais criteriosos, quase que uma falta de respeito; certamente, uma falta de zelo. Importante observar que o modo de se portar do brasileiro seja tão característico, tão arraigado, ao ponto de tomar corpo uma micro-querela religiosa, uma discussão em torno do modo adequado ou não de portar-se perante o divino, de exercer a espiritualidade.
Em contraposição aos rigorismos do calvinismo inglês, do palacianismo português, o homem cordial, aos modos típicos dos trópicos, exibe um modo de ser que flexibiliza até mesmo a piedade religiosa. A inclinação do brasileiro às festividades, às devoções populares de cunho mais supersticioso, todos esses elementos culturais traduzem bem o tipo brasileiro; são expressão genuína de um modo de ser e viver que subestima a racionalidade, em benefício da interioridade e do subjetivo, o que parece ser prova inconteste da personalidade indisciplinada e inveterada do brasileiro.

Nossa visão de Brasil                              

Este capítulo específico de Raízes do Brasil faz uma análise sem dúvida interessante sobre determinada peculiaridade da psicologia do brasileiro e de sua forma de interação social e mesmo política; mas é uma análise subjetiva. Não que seja inválida para pensar o Brasil e o brasileiro, tem sua importância e pertinência, mas escapa de uma análise mais objetiva, das condições materiais, etc.             Nossa visão, em contrapartida, parte dos pressupostos do materialismo dialético, do marxismo.
Outros autores tidos como intérpretes do Brasil partiram de uma análise marxista, que, embora controversas entre si, detém metodologia que se pretende marxista. É o caso de Werneck Sodré e Caio Prado Júnior, por exemplo. Deste último temos muitas convergências, principalmente na análise das classes sociais na sociedade brasileira e na caracterização do operariado como sujeito social da revolução brasileira.
A grande obra de Caio Prado, A Revolução Brasileira, data do ano de 1966, época em que o autor já havia amadurecido sua polêmica com a cúpula dirigente do PCB, que por sua vez defendia a tese soviética de aliança com as burguesias nacionais para alavancar revoluções democrático-burguesas. Os dirigentes do Partidão alegavam que no Brasil havia traços de feudalismo que só haveriam de ser superados em uma etapa burguesa da revolução, onde os operários e seu partido deveriam se aliançar a uma burguesia nacionalista e desenvolvimentista. Caio Prado Júnior acertadamente pontuou que não havia feudalismo no Brasil, mas um capitalismo surgido imediatamente do escravismo; que não havia campesinato, mas um proletariado do campo, cuja luta não era a posse da terra, e sim uma política de reivindicações salariais e trabalhistas. E tampouco havia uma burguesia nacional na qual os setores populares poderiam depositar a confiança de liderar o processo revolucionário.
A burguesia nacional sempre foi tacanha e subserviente ao imperialismo. A tarefa colocada é a revolução socialista tocada por operariado da cidade e do campo.
Hoje, conforme se pode ver por pesquisas, a classe trabalhadora da cidade é a esmagadora maioria da classe trabalhadora. O êxodo rural e a mecanização do campo, que caminham em estreita correlação, conformaram uma sociedade urbana. Há o elemento da desindustrialização, que é determinante no desenvolvimento nacional, mas que no limite não altera a estrutura da luta de classes. Há burguesia e classe trabalhadora; este é o eixo da economia, independente da classe trabalhadora ser formada por maioria de operários de fábrica, por exemplo, ou estar majoritariamente  alocada no setor de serviços, como é o caso atualmente.
O sujeito revolucionário por excelência é o trabalhador, e este deve ser dirigido por um partido revolucionário marxista. Assim, independente das particularidades subjetivas que podem ser levantadas e debatidas, há um programa de revolução brasileira que está encarnado no seio do partido operário, um programa materialista dialético, encarregado de elaborar a análise da realidade e apontar um horizonte de superação do atual regime político e econômico.