quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O Tacão de Ferro

O Tacão de Ferro, de Jack London, é um livro que impressiona. Muito bom realmente. Trata-se de um romance, uma espécie de ficção sociológica em que o autor se vale do gênero literário para expor conceitos do marxismo e defender a tese de que nenhuma ilusão pacifista ou reformista seria capaz de impedir que o capitalismo enveredasse por regimes de violência em seus períodos de crise. E Jack London faz isso com maestria, prognosticando o socialismo reformista do início do século XX como falsa alternativa aos trabalhadores e prevendo o surgimento do fascismo como módulo político funcional às elites.
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O Tacão de Ferro é uma expressão criada pelo autor para designar esse endurecimento do regime político. Trata-se da história de Ernest Everhard (o nome não é a toa), operário intelectual, líder do partido socialista, e posteriormente eleito deputado, que faz amizade com um professor universitário progressista e acaba por se envolver com sua filha, que por sua vez adere aos ideais de seu amado e escreve o livro como modo de reconhecer e engrandecer o trabalho de Everhard. É um livro escrito na primeira pessoa, com notas de rodapé de um editor do futuro, que escreve setecentos anos depois dos acontecimentos relatados no manuscrito. É um livro instigante, violento sobretudo da metade até o final, assumindo ares de distopia, mas que antecipa e prevê muito do que realmente aconteceria no trágico século XX.
O Tacão de Ferro foi publicado em 1907, tido à época como pessimista, acabou por se revelar uma profecia acertada do que viria a ser o sistema capitalista das décadas posteriores. O livro tem erros; na edição da Boitempo, com tradução de Afonso Teixeira Filho, há um posfácio de Trotsky no qual o mesmo reconhece haver erros, mas é de fato um clássico da literatura e merece ser propagado, tanto por sua riqueza estilística quanto pela tese extremamente atual da agonia do capitalismo como modo de produção caduco e fadado à barbárie.
O livro é extremamente atual porque aponta para o regime de barbárie social e violência política do imperialismo e porque coloca a questão da burocracia sindical como elemento importante do status quo; uma casta à parte é formada, dando origem a uma aristocracia operária, traidora, odiada pelos trabalhadores. O que tem tudo a ver com o peleguismo chapa branca do qual temos insistentemente falado como sendo um dos elos podres do regime político a ser ultrapassado pelo conjunto dos trabalhadores.
Outra característica interessante da obra é a hipérbole como elemento de narrativa, o que fez London chegar ao extremo de descrever essa aristocracia operária como elemento completamente apartado da massa de trabalhadores, vivendo em bairros separados, com escolas específicas para seus filhos, etc. De igual modo London hiperboliza o quadro social do lumpem-proletariado, chamado no livro de "povo do abismo", uma massa de miseráveis, extremamente violenta e ignorante, também apartada do convívio comum e que tinha sua funcionalidade social: barbarizar e servir de massa de manobra aos interesses do Tacão de Ferro.

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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

O jovem Marx

Sobre o filme

Jovem Marx é também a história do jovem Engels; e a história de uma das parcerias mais significativas que a História já viu. Não dá pra considerar a obra de Marx sem levar em conta a contribuição de Engels. Não só pela amizade e contribuição material do burguês-industrial Engels ao amigo, o que liberou Marx para se dedicar à redação de sua obra, mas pela própria contribuição teórica.

O filme mostra isso na cena em que Engels recomenda a Marx a leitura e a análise dos economistas ingleses, logo após declarar que Marx era um gênio e em contrapartida ouvir do amigo que seu livro "A situação da classe trabalhadora na Inglaterra" era um excelente trabalho.

O filme cai em alguns clichês, típicos do gênero cinematográfico, como no enfoque às vidas amorosas de seus protagonistas, ou como nas cenas em que o espirituoso Marx se envolve em confusões que são transmitidas como burlescas ou cômicas. Isso é de costume nos filmes; mas o diretor foi competente na gravação e o roteiro traça bem o perfil sócio-histórico da época, bem como as influências políticas e filosóficas que fizeram com que Marx e Engels trilhassem o caminho do materialismo-dialético, juntando-se à vanguarda do movimento operário europeu e se dedicando à elaboração científica, a sistematização teórica da doutrina comunista; superando concepções idealistas comuns ao jovem movimento dos trabalhadores, à época muito influenciado pelo socialismo utópico e pela direção anarquista.

O filme retrata bem o aguçadíssimo espírito crítico de Marx, e sua capacidade de esmiuçar dialeticamente os dados a sua disposição. Marx foi um gigante, é um gigante. Sua contribuição só vê a sombra de um outro grande gênio e revolucionário: Vladmir Ilich Lenin. Fica a dica para um filme desse outro grande mestre do proletariado. Um dia desses surgiu um papo de que o DiCaprio interpretaria o velho bolchevique.

Outra coisa que merece nota é a cena final, dos créditos, com uma inusitada trilha sonora de Bob Dylan e uma sequência de imagens da história do século XX até a atualidade, com colapsos econômicos, guerras, revoluções, contra-revoluções, manifestações, eleições.
O que Marx previu, as instabilidades advindas das contradições inerentes ao movimento do capital, continuam dando o tom do curso histórico, e só serão superadas pelo comunismo. Como o filme faz questão de mostrar Marx falando: nada é definitivo nesse mundo, tudo está em constante movimento, do escravismo ao feudalismo, do feudalismo ao capitalismo, e este não é o fim da história, mas uma etapa que já começa a ser superada porque não é capaz de solucionar os impasses que ele mesmo criou. Leiam O Capital. Marx continua a ser a chave para entender nossa sociedade e pensar uma alternativa à barbárie.

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terça-feira, 28 de novembro de 2017

Em cima do guarda-chuva tem a chuva

Fez história no Mato Grosso há uns 100 anos atrás. Era tido como sujeito contraditório. Prezava pela modernização de sua fazenda, mas era extremamente conservador quanto aos hábitos da vida coletiva na cidadezinha. Tentou a vida pública, tinha pretensões políticas. Gostava de ser notado na vida social do lugar, era pernóstico, gostava de atrair toda atenção para si. Demorou a casar, queria a moça mais vistosa do lugarejo. E disputou-a com meia dúzia de pretendentes, todos eles filhos da elite local, dos senhores de fazenda, coronéis.
Ao cabo de uma boa peleja, como era corrente na língua dos matutos, desposou a jovem, filha única de pais comerciantes. Os velhos negociaram caro a mão da menina. O tino pro negócio fez arrancarem ao Matias uma pequena fortuna, suficiente para morrerem ricos e terem os restos depositados em bela capela de mármore branco, entre palmeiras e mortos ilustres da redondeza.
Matias via sua pequena fortuna voltar com juros e correções no nome da esposa, uma dona de meia idade capaz de atrair a lascívia de jovens, velhos, padres, quem a notasse.
E foi assim, ostentando a mulher mais desejada e tentando se projetar como político, que passou da condição de inusitada figura menor ao posto de lendária personagem local. Queria porque queria ver aprovado projeto seu de erigir um par de torres de 40 metros na igreja da matriz, já havia proposto um recolhimento compulsório afim de criar uma escola de oficiais; dizia acreditar no progresso do município, exaltava energicamente as qualidades morais dos sertanejos.
Não havia logrado êxito em nenhum empreendimento, com exceção do próprio casamento. Não contava com a simpatia das gentes. Tinha de se contentar com uma inexpressiva claque composta de poucos parentes e compadres. Até que por um novo capricho caiu definitivamente na boca do povo.
Foi quando tentou convencer os vereadores a criar um projeto de lei que proibisse os guarda-chuvas. E foi extremamente diligente na tarefa a que se propôs. Redigiu manifesto, coletou assinaturas, proferiu discurso de 50 minutos na tribuna da câmara. Moveu céus e terra para convencer a quem pudesse de que sua tese era acertada. Argumentava calorosamente sobre o absurdo de portar guarda-chuvas, ainda mais naquela sedenta terra em que viviam. O guarda-chuva era um desaforo à natureza benfazeja que proporcionava o refrigério à terra e a seus habitantes, o guarda-chuva era antinatural, objeto estranho a interpor o ciclo da vida dos corpos daqueles que o empunhavam, um sacrilégio! Tomassem chuva sobre suas cabeças e saberiam o que estavam perdendo, o contato íntimo com um dos fenômenos da natureza mais indispensáveis ao ciclo do desenvolvimento humano.
- A modernidade tem limites!, esbravejava. Aumentava o tom, vociferava, os olhos vermelhos de ira: - Não sejam renegados, os senhores estão a injustiçar a dádiva do Altíssimo, que do céu lhes envia o líquido da vida!
Começou a ficar impopular. Não que antes fosse popular, mas começava a atrair inimizades. Antes era apenas um fanfarrão a despertar inveja aos demais pela mulher que tinha. Passou a ser evitado, encarado como sujeito impertinente e maçante.
Caiu no ostracismo, relegado ao papel de lunático, motivo de piada, reduzido a objeto do escárnio de toda uma região. Acabrunhou-se por uns dias, forçando-se à tarefas da fazenda, porém sem ânimo, deprimido.
Optou por retirar-se uns dias. Embrenhou-se na mata para caçar, montou acampamento ao pé de um ribeirão. Contemplava o céu estrelado do sertão, lembrava da meninice. Sentiu-se aliviado da tensão lá pelo décimo dia de retiro. Tomou caminho de volta. Veria a mulher, faria amor, tomaria uns tragos da cachaça predileta. As coisas iriam melhorar. Chegou na casa da fazenda e surpreendeu a mulher em ardente felação a um jagunço.
Abafaram o caso com uma viagem, depois de uma conversa com o empregado. A história dos guarda-chuvas já havia sido suficientemente desgastante.

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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Nunca gostei de trabalhar / Encarando o desajuste

            "Do suor de teu rosto comerás o teu pão"
             Gênesis 3, 19

Quando eu tô deprimido, escrevo menos. E escrever menos não é interessante pra mim, haja visto que mantenho esse blog. Ou seja, depressão atrasa bastante o meu lado. Até porque o blog tem poucas visualizações; e se eu posto menos conteúdo, as visualizações caem ainda mais. E aí eu fico deprimido. É um círculo maldito.
Então, pra tentar matar dois coelhos em uma cajadada só, pensei: Bom, vou escrever sobre depressão. Mas depressão implica muita coisa. E outra, depressão pode ter várias causas. Então vou falar de mim. Eu sou narcisista o bastante pra fazer isso sem me preocupar muito.
A depressão no meu caso chegou há uns quatro anos e meio. Depois de uma crise de abstinência de rivotril. Tomei o tarja preta por sete anos. Isso mesmo. Sete longos anos. Rivotril é uma delícia. Comecei a tomar por conta de uma síndrome de pânico que me acompanha desde os 17. Pois então, fui tentar parar com o rivotril e dei uma surtada. O que era pânico virou pânico e depressão, muita ansiedade, pensamentos suicidas, etc. Mudaram meu diagnóstico pro cid F-41, transtorno misto de ansiedade e depressão. Por esses dias fui pegar um encaminhamento pra ser atendido mais perto de casa e observei no prontuário que o último psiquiatra que tinha me visto resolveu alterar o cid; colocou F-39, transtorno de humor.
Mas enfim, o fato é que sou um transtornado. Não que isso faça muita diferença. Meio mundo é, muita gente já surtou, outros tantos estão surtando e muitos outros irão surtar. O surto é parte integrante da contemporaneidade e a gente vai empurrando com a barriga, antidepressivos ( também podem ser ansíoliticos, reguladores de humor, benzodiazepínicos, anti-psicóticos nos casos mais graves, etc ) e sessões de análise. A impressão que eu tenho, e eu julgo que minha impressão faz muito sentido, é que nada disso realmente resolve.
Tomo antidepressivos há mais de 15 anos, faço análise há quase cinco; cheguei à conclusão, empírica mesmo, com conhecimento de causa, de que os sintomas só melhoram mesmo quando a vida melhora, as condições materiais da vida, o conforto material, o nível de sossego, essas coisas.
Eu falei mais ou menos o seguinte há uns meses atrás: não dá pra entender esse mundo em que a gente vive sem ler Marx e Freud. Mas nessa sequência, primeiro leiam o Marx e depois o Freud. O materialismo dialético é insuperável. Porque são as coisas materiais que determinam tudo nesse mundo.
Mas, voltando ao tema, e justificando o desvio, chego aqui ao que julgo ser o motivo da minha depressão. Sem desconsiderar eventuais fatores endógenos, características de personalidade, tendências atuais. Mas o motivo de fundo, aquilo que entendo ser determinante no meu quadro, julgo ser a debilidade material.
Minha analista diz que eu não me implico enquanto sujeito. Ela deve ter razão. Eu sou um cara acomodado. Reconheço. Isso me faz depender materialmente da minha família. Acontece que minha família é pobre. E eu não consigo viver sem vez ou outra me ver em condições materiais precárias, o que me deixa chateado, apreensivo, preocupado, e, por consequência, deprimido. Ou seja, se o leitor acompanhou o encadeamento lógico, concluirá comigo: esse cara é depressivo de pobre que é. Pode haver um elemento ou outro a ser considerado como agravante, mas a pobreza, a miséria material por assim dizer, é que explica tal desarranjo existencial.
Talvez algum interlocutor objetasse: Não seria a preguiça?! Sim, concluiria, o Mário é pobre porque não trabalha, e não trabalha porque é preguiçoso, é um indolente inveterado. Seria uma outra forma de encarar a questão, uma forma mais ideológica, certamente.
A gente vive num mundo de gritante utilitarismo. A ideologia do momento é a tal da meritocracia. Desde a literatura de auto-ajuda até os manuais que regem o meio corporativo, a idéia mais batida é a de que o sujeito pra ser bem sucedido tem que ser produtivo, determinado, abnegado. Tem o tal do "foco". Nunca se usou tanto esse termo como agora. Sobrevive ao ambiente empresarial quem é forjado em metas, quem subsiste apesar das adversidades e crueldades do mercado de trabalho. Eu, como nunca me adaptei em tal estrutura, me vejo dissituado, tendo que me ver com a contradição de ser improdutivo num mundo em que os improdutivos não servem. E tenho que me ver com a contradição de não estar apto ao consumo num mundo de consumismo.
Não é o fim do mundo. Desajustados existem aos montes por aí. Mas como ser desajustado sem sofrer? Dá pra ser desajustado sem ser excluído? Dá pra ser desajustado sem sofrer preconceito? Dá pra ser desajustado sem ser estigmatizado? No limite, tendo em consideração o modo de produção no qual estamos inseridos, com todas as contradições que o mesmo implica, daria pra ser desajustado sem ser depressivo? O mal estar na civilização já está dado. Que dirá o mal estar dos que ousaram não se adequar ao sistema!

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sábado, 30 de setembro de 2017

Freud explica. Marx sentencia.

Sobre a polêmica envolvendo o artista nu na exposição do Museu de arte moderna. Reuni alguns comentários que fiz no Facebook e emendei num esboço de artigo.            


A nudez não tem nada de reprovável. Caretice e falso-puritanismo o nome disso. A classe média brasileira é falso-moralista. A classe média é hipócrita. E é pervertida. É essa turma que perverte o mundo ao redor.                            
A questão aqui é a hiper-sexualiação do nu e da criança. Estão fantasiando erotismo onde não tem. Aqui em cima falei da classe média porque é pertinente um recorte de classe. A elite não se escandaliza com essas coisas; porque a elite é ilustrada, tem acesso a teatro, cinema, vernisages, etc, etc. Eles estão cansados de ver nudez em tudo que é manifestação artística. A classe operária, por sua vez, tem muito mais com o que se preocupar do que ficar "moralizando" a vida alheia. A classe média, que não é erudita ou esclarecida, mas que tem presunção de sobra, faz o maior escândalo diante de manifestações corriqueiras do mundo da arte ou da moral.
Mas, como dissemos, é uma hipocrisia só. Freud explica.
O coro dos recalcados tá expressando suas neuroses. E o artista paga o pato. Coitado do artista. O papel da arte é justamente desmistificar, desvelar, incitar pensamento crítico. E o papel dos escrupulosos é revelar as psicopatologias que assombram a psique.
A direita, oportunista, mistura entreguismo e palavrório neoliberal ao ranço conservador de incautos e segue no encalço do povo pobre. São agruras do modo de produção capitalista, com as contradições que o mesmo implica, com sua base material na exploração do homem pelo homem e suas consequências no que Marx chamava de superestrutura, o campo das idéias hegemônicas que dão substrato ideológico ao sistema social vigente.
E isso só se transforma com revolução social. A questão do enfrentamento ideológico é importante, bem como educação, etc. Mas, no limite, só a inversão da estrutura econômica da sociedade dá jeito.

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domingo, 17 de setembro de 2017

O menino dos sinônimos


Observava o fluxo da rua, dos transeuntes distraídos, dos motoristas que guiavam automaticamente, como se não houvesse mundo fora dos limites do asfalto. Imaginou que deveria meditar mais, meneou a cabeça, reconsiderou o pensamento, fitou o céu da cidade ensolarada. Por fim cruzou olhar com ela, figurinha simpática. Era bonita, de uma beleza singela, tocante. O tipo de pessoa que desperta instantâneo afeto, de membros diminutos, semblante sereno e peito aberto no meio de um suspiro. Notou que tinha olhinhos claros, pele de adolescente na puberdade, com cravos e espinhas que não lhe roubavam a beleza e que ao mesmo tempo lhe atribuíam traços de ninfa. Resolveu se aproximar depois de alguns instantes de insegurança paralisante.
-Oi. Eu notei/ reparei/ observei/ constatei/ vi que você tá sozinha/ isolada. Pensei/ ponderei/ imaginei se podia de alguma maneira/ modo/ forma te distrair/ entreter.
A moça não conseguiu disfarçar o espanto, arregalou os olhos, esboçou um sorriso e amistosa estendeu a mão.
-Cara, você é muito louco! Prazer, Clara. Clarinha pros chegados.      
-Prazer/ satisfação/ encantado. Ops, encantado é um termo/ designação/ palavra meio/ relativamente antigo/ ultrapassado/ velho mesmo.                      
Ele gesticulava um pouco estabanado, as pernas fixas numa mesma posição revelavam tensão diante da circunstância. A moça se impacientou.
-Como é o seu nome?                       
-Júnior - respondeu num sobressalto.  
-Senta aí - disse a garota abrindo espaço no banco do jardim. - Tô um pouco entediada, tentando parar de fumar. Me fala de você. Você parece gostar de falar.
Ele riu. Baixou rapidamente a cabeça e esfregou uma mão na outra enquanto tomava assento ao lado da pretendente. E desatou a falar.          
-Ah, eu gosto/ aprecio/ estimo de conversar/ dialogar, às vezes falo/ expresso/ verbalizo muito/ demasiado/ exageradamente. É o que diz/ fala o pessoal. Mas/ no entanto/ entretanto/ todavia eu sigo/ continuo interagindo/ me relacionando com as pessoas.    Pigarreou, emendou uma conclusão.       
-E você?                    
-Eu o que? - devolveu a moça em um sorriso aberto.                      
-Me conta/ narra/ explana sobre/ acerca de você.                
-Não tô bem pra falar hoje, anjo.   -Eu notei/ reparei/ observei/ constatei que você é muito/ bastante/ consideravelmente bonita/ interessante/ charmosa/ atraente. Eu quereria/ desejaria/ gostaria...
E num breve lapso, em um segundo que o garoto titubeou pra lançar o sinônimo subsequente, a menina se levantou.
-Desculpa, querido. Eu tenho namorado lá fora. Vou ver uma coisa na biblioteca. Virou as costas e foi andando.                  
-Elias Macedo Júnior - disse uma voz forte que se aproximava.        
-Eu - respondeu.            
-Toma aqui seu comprimido - disse o enfermeiro oferecendo água num copinho de plástico descartável. -Vê se não incomoda a paciente nova, falou?!

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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O que há por trás da caguetagem?



O que passa pela cabeça de um sujeito como o Palocci ao dedurar o grande figurão de seu partido, o último com algum prestígio político relevante com vistas a tentar o retorno do PT ao poder do estado? Logo ele, petista histórico, um dos cabeças do ascenso lulista ao Alvorada, homem forte da gestão de Luis Inácio, sucumbiu diante da possibilidade de passar bons anos no cárcere.
E aqui entre nós, cadeia é uma coisa horrível. Eu passei questão de horas preso e me senti muito mal. E olha que eu fiquei preso na Polícia Federal de São Paulo, com comida boa, mamão picadinho na sobremesa, banheiro em condições de uso, etc. Pegar cadeia numa boa deve ser mesmo para os que tem nervos de aço. A comparação de Palocci com Dirceu é inevitável. O último, que passou pela luta armada, na clandestinidade, tendo que se esconder por anos a fio da repressão dos milicos, seria capaz de passar o resto de seus dias no xadrez, levaria uma rotina de leituras e conversas amigáveis com outros presos e funcionários da carceragem, sem chamar nenhuma atenção, sem ter sequer um arroubo de claustrofobia, sem ter de tomar rivotril pra dormir ou laxante pra conseguir evacuar em latrina estranha.
Mas o Palocci não. Por que é médico, acostumado à vida boa? Por que é um traidor, sem consideração aos amigos e aos companheiros de partido? A tentação de tachá-lo com as alcunhas aí de cima é grande, mas, como eu dizia, não é todo mundo que tira cadeia numa boa. E, no caso em questão, todo mundo sabe, pra sair da prisão tem que delatar, mas não qualquer um, tem que delatar o Lula. Isso fica claro pra qualquer um que acompanhe minimamente a cobertura jornalística da Lava Jato. É um estado de exceção, é o fascismo da vulgaridade, mas é o que está posto, e, pra sair da cadeia, tem que delatar o Lula.
Alguém mais acostumado à adversidades do tipo, com psicologia distinta, como é o caso do exemplo maior do momento, Zé Dirceu, aguentou e aguentaria ainda mais. Seria capaz de ir ao sacrifício pelo partido e pelo líder. Mesmo sendo o Dirceu um sujeito já acostumado a um mundo de lobbyes e bebidas caras, gabinetes confortáveis e companhia distinta. Mas seria capaz de renunciar ao conforto e à liberdade para segurar as pontas e fazer a grande massa petista continuar sonhando com o Lula no Alvorada.
É curioso ver esse caso porque ele nos remete à importância do sujeito num caso de grandes proporções. Já se trata de duelo de titãs da macro política nacional, claro. Mas a situação coloca de novo nas luzes dos holofotes um cara que vinha perdendo toda sua influência política e caindo em desgraça junto com seu partido e que agora recebe de Moro a incumbência de figurar como protagonista num momento decisivo dessa novela ordinária mas determinante que se tornou a Lava Jato.
Tinha tudo pra ser um desfecho inexorável, dirão os defensores de Palocci; bobagem pagar o preço de ficar trancafiado nas masmorras da república de Curitiba. Mas o fato é que Palocci dedurou. E dedurar é feio. Ninguém gosta de dedo-duro. Sempre aparece alguém com dó do dedo-duro, pra explicar dizendo "olha, não é bem assim, ele deve ter raciocinado diferente, não é um degenerado como dizem. Entendam o lado dele". Mas ainda assim é feio dedurar.
E o caso da caguetagem que pode entrar pra história como a caguetagem determinante da prisão e execração completa de Lula vira a grande polêmica nacional, tão discutida nas redes sociais como o caso do tarado ejaculador do ônibus. Notem como é incrível o fascínio que existe pelo tipo que sai do anonimato pra emplacar fato relevante à história. Um Judas, um Brutus, carrasco ou incompreendido, língua solta ( com o perdão do trocadilho infame ) ou sujeito sensível.
A gente deveria estar mais preocupado em colocar a limpo o arqui-ardiloso plano do imperialismo e da CIA em forjar Moro como perseguidor-mor de petistas, a serviço de quebrar a indústria nacional e passar um pano pra tucanada, abrindo assim livre caminho ao neoliberalismo mais violento de que se tem notícia no mundo. Mas os próprios petistas se debatem pra ver o tamanho da culpa do Palocci e o que podem fazer para ainda sim continuar a sonhar com Lula 2018. Vemos que independente da leitura que fazem da desgraça na qual caiu Palocci, continuam depositando esperanças em 2018. E nem se sabe se vai haver 2018.

                         

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Vivendo no fim dos tempos

     Poema

Vivendo no fim dos tempos, 
Deslizo num turbilhão de náuseas 
Haveria tempo oportuno aos flertes?Haveria ocasião para crimes como 
presentear com flores um coronel?
Levanto das brumas do sono para a 
voracidade da vigília temendo 
inebriar - me de ódio.
Há razões de sobra envenenando os 
dias.
Choro sentado numa poltrona,
Deploro um luto de cinco anos atrás.
Lastimo as inconclusas notas 
taquigráficas dos inconclusos 
discursos dos senhores deputados,
Os perturbados que foram Rimbauld, 
Os meninos que leram Artaud, 
E que não se conformaram com a merda toda -
Não tiveram paciência -
Os deserdados do meio fio,
Às páginas de Sartre que não li com 
sobriedade porque minha náusea 
extrapolava a náusea. 
Devo ir ao banco dos réus, 
Esbravejar e assumir uma culpa que não é minha,
De algo que não fiz,
De algo que devia ter feito,
Que me arrependi de não fazer.
Vou deglutir indignação,
Vou regurgitar demônios.
Há pouco eu caminhava pelas calçadas calculando os danos.
Mas estou vivo.
E meus pulmões reclamam rebeldia.
Nos estremecimentos, sobressaltos, nas orações e nos apontamentos, 
No sangue que me corre nas veias,
Nas sinapses, nos embrulhos, no arroz com feijão.
Estou vivo e o tempo que é de fezes corre insubmisso.
Estou vivo e inclinado a celebrar tal movimento. 
Inclinado a desaforar o destino.

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sexta-feira, 21 de julho de 2017

A tragicômica história do tio Virgílio

                                   Conto

Gente, dessa vez eu vou contar pra vocês a tragicômica história do tio Virgílio, marido da saudosa tia Ana. A nossa vida é de natureza tragicômica mesmo, né? E, pra fazer um jogo de palavras simpático e no qual vejo muito sentido, digo que é até bom a gente fazer graça com a desgraça. É mais ou menos o que todo mundo faz quando desabafa na timeline do Facebook, fazendo piada com alguma adversidade.
Na história do tio Virgílio e da família, a comicidade veio uns meses depois da tragédia, e trouxe consigo um ar de leveza diante da realidade que se impunha. Acontece que, depois de um avc, tio Virgílio começou a apresentar um quadro de violento alzheimer. O tio foi esquecendo das pessoas e parando de falar. Em pouco tempo, seu vocábulo se reduziu a quatro palavras. Na verdade três; a quarta palavra era uma abreviação. E era tudo palavrão. Tio Virgílio só dizia "caralho", "cacete", "porra" e "orra".
Eu não consigo lembrar da história do tio sem lembrar do conceito de jogos de linguagem do Wittgenstein. O filósofo trabalhava tentando desconstruir a ideia de função designativa da linguagem, de que toda palavra corresponderia a um objeto no mundo. Wittgenstein defendia a tese de que as palavras tem significado de acordo com o meio em que são empregadas.
Tio Virgílio, depois do avc, passou a se valer de apenas um restrito e indecoroso jogo de linguagem. Óbvio que um idoso enfermo nem precisa de muito vocabulário. Em casa, na companhia de familiares, numa vida restrita a poucos movimentos, quase sempre monótonos, a linguagem não é algo que faça tanta diferença.
O curioso da história é que tio Virgílio perdeu a capacidade de articular palavra mas não perdeu o costume de falar palavrão, e passou a empregar os palavrões pra todas as ocasiões.
Tia Ana, por exemplo, chegava com o bule de café e o marido soltava um comentário. Se o café tivesse demorado muito, o tio soltava um "cacete", com voz frágil mas autoritária. Se o café estivesse muito quente, soltava um "porra", como se a xícara lhe queimasse os dedos. Se o café estivesse amargo, era um "caralho", compassado e acompanhado de sobrancelhas cerradas.
A molecada se divertia. Tia Ana fazia um ar de reprovação mas se resignava. Era uma mulher sem muitos moralismos. Minha impressão é de que ela ficava chateada pelo fato do tio ser ranzinza, e não pelos palavrões em si. E, no fim das contas, tudo virava gozação, como aquela turma que via a Dercy Gonçalves falando um palavrão atrás do outro na tv e se esborrachava de rir.
_Orra!, dizia o tio após uma colherada no bolo de cenoura da tia.
Tio Virgílio morreu falando o que era estritamente necessário. Reclamava do café pelando mas sabia reconhecer o virtuoso bolo da tia. Lembro sempre disso ao falar do tio, além do Wittgenstein. Não tem jeito, a vida é tragicômica.    

domingo, 9 de julho de 2017

Educar as massas para a resistência

Se o Brasil fosse um país sério, o Edir Macedo estaria preso e condenado à prisão perpétua, e o Aécio já teria sido deposto do cargo no senado e pego uns bons anos de cadeia. Mas não, aqui o regime burguês degenerado é tão descarado que esses e outros descalabros passam e a vida segue mais ou menos como se nada tivesse acontecido.
Falo isso por dois fatos que encontraram repercussão na mídia essa semana. O primeiro foi que a Igreja Universal completou 40 anos e um número grande de políticos e ministros de estado foram ao templo de Salomão puxar o saco dos magnatas enganadores de gente simplória. E o segundo fato foi o Aécio sendo salvo no conselho de ética do senado após ter o mandato restabelecido por decisão monocrática do ministro Marco Aurélio, do STF.
Resumo da ópera, os picaretas estão mais tranquilos do que nunca. O grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo, como revelado no áudio vazado de Romero Jucá, estabeleceu no poder uma camarilha de golpistas usurpadores e mergulhou o país numa situação ainda mais desastrosa. Pois é, por pior que a situação esteja, sempre tem como piorar.
Outra nota da semana foi o cinismo de Temer, cinismo tão escandaloso que o mesmo, em viagem a Hamburgo, para a cúpula do G20, onde foi beijar as mãos dos chefetes imperialistas, respondeu a jornalistas que não há crise no Brasil. Vejam só a que ponto chegamos: três anos consecutivos de recessão, desemprego na casa dos 13%, a miséria social voltando à tona violentamente, e o crápula vem com uma conversa dessa! Disse aos jornalistas que a inflação está caindo.
Esqueceu de dizer que o cenário é de deflação, ou seja, os preços estão caindo porque não há consumo. O poder de compra do povo foi reduzido a níveis baixíssimos e a indústria é obrigada a reduzir os preços na tentativa de desaguar a produção. Os preços caem, mas os capitalistas não lucram como desejam e tendem a demitir trabalhadores pra enxugar gastos e manter alguma taxa de lucro.
Enquanto isso, a reforma trabalhista caminha no congresso nacional, a despeito da completa ilegitimidade do governo golpista e dos parlamentares comprados pela banca capitalista. E o trabalhador brasileiro se vê prestes a perder direitos historicamente conquistados na CLT, ao passo que a reforma da previdência também avança pra surrupiar direitos.
Ou seja, trabalhador no Brasil contribui com impostos e não recebe nunca a contrapartida em serviços básicos. Saúde, educação, moradia, tudo anda pela hora da morte. E por falar em morte, muitos chegarão lá sem aposentadoria, numa velhice de privações e dificuldades.
Metade do orçamento da união sendo drenado para a farra dos rentistas, uma bolha imobiliária sempre na iminência de arrebentar com a economia, juros escorchantes sobre o povo pra garantir os lucros exorbitantes dos banqueiros... Tudo isso e os capitalistas não se dão por satisfeitos!
A desigualdade social aumenta e a espoliação fica mais descarada. Situação extremamente delicada a do trabalhador brasileiro. O mesmo anda apático, desesperançoso com a burocracia sindical que não se mobiliza e que muitas vezes cede descaradamente aos patrões. Essa grave e desastrosa conjuntura exige intervenção firme da esquerda revolucionária, resoluto propósito das forças progressistas no sentido de oferecer aos trabalhadores uma educação contra - hegemônica e emancipatória. Porque não há como depositar esperança nas instituições falidas ou esperar reverter os atuais reveses por dentro do regime de poder que está colocado.
A classe trabalhadora necessita de uma direção capaz de apontar para um horizonte revolucionário e de articular uma incessante intervenção no campo da comunicação e da educação das massas. Porque o ensino público tem sido propositadamente desmantelado pelos gerentes de plantão do capitalismo putrefato, a imprensa burguesa investe covardemente contra nossa juventude, pavimentando o caminho da reação com desinformação, alienação, fetiches ideológicos da pós - modernidade e todo tipo de lixo disseminado pela indústria cultural.
O caminho da revolução passa inexoravelmente pelo combate claro e objetivo a essa imprensa venal e tudo que ela representa, denunciando sua íntima ligação ao capital especulativo.
Não é tempo de esmorecimento, apesar de tamanhas desgraças, e como nos querem fazer crer os ideólogos do lado de lá. A história não acabou. O tempo é de resistência e trabalho pesado de conscientização. E vamos à luta!

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Inverno de São Paulo - haicai

Dia frio em São Paulo
Me pede chá com bolinhos
Grão, sabor, caminhos

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O tradicional haicai japonês possui uma estrutura específica, ou seja, uma forma fixa composta de três versos (terceto) formados por 17 sílabas poéticas, ou seja: Primeiro verso: apresenta 5 sílabas poéticas (pentassílabo) Segundo verso: apresenta 7 sílabas poéticas (heptassílabo) Terceiro verso: apresenta 5 sílabas poéticas (pentassílabo)

Um dia depois de conhecer Adelgício

Um dia depois de conhecer Adelgício,
Me lembrava ainda zombeteiro do nome de gnomo
Achava que a figura simpática
Não merecia alcunha mais bisonha
E risonho me dava conta da rima com meretrício

Um dia depois de conhecer Adelgício, o poeta de feições contrastantes
Hércules Quasímodo de pele de
Nascituro e corpete de sertanejo miúdo,
Me lembrava satisfeito da comida repartida
Eu que prostituía alguma verve, numa montanha pop, faminto,
Aceitaria pão por instinto, e ganhei também um amigo

Foi um pôr-do-sol soberbo que trouxe consigo
A sorte de um singular encontro
Até as pedras se encontram, diria o matuto mineiro
E os malucos também, acrescentaria em tom jocoso e certeiro
No topo de um desfiladeiro, em escarpas
Artísticas pinceladas por mãos divinas
Ou em corredor de hospício, trecho
Comum a mochileiros outsiders

É mais ou menos isso que penso agora.
Foi o que pensei um dia depois de conhecer Adelgício


Poema em resposta a meu amigo Adel, que me tornou personagem de um poema seu. Segue o poema logo abaixo.


                                            No dia em que conheci Mário Medina

Todas as fadas dormiam
Os lobos andavam aflitos com a
Novidade
Haviam dois pássaros de aço
Sobrevoando o Japão
Na América do Norte um corpo foi
Deixado na calçada
E no Ártico um esquimó contava uma
Lenda à família

No dia em que bebemos café em São
Tomé
O papa rezou solitário um disco de Pink
Floyd
Uma menina descobriu-se vegetariana na Rússia

Nesse dia, eu plantei uma cruz na
Mochila
E carreguei a paz no espelho da madrasta

Tudo isso ocorria, e ele, o Mário Medina,
Nem desconfiava como era conduzido o
Fio da narrativa

                                          Adel Alves

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quinta-feira, 18 de maio de 2017

Enfia a graduação no cú!

No meu primeiro ano de faculdade de filosofia na Unifesp, escrevi e publiquei um artigo que causou estremecimentos no campi. O título era ''Enfia o doutorado no cú''. Texto publicado numa rede social da época e que se perdeu. A frase brilhante, contudo, não foi fruto da minha criatividade, mas inspirada por uma pixacão no muro externo da faculdade. Usei a frase impactante pra chamar atenção a um texto que visava criticar o peleguismo dos professores.
O movimento estudantil fervilhava, com greves, ocupações, repressão da reitoria e da direção local, enfim, um momentto turbulento, no qual arregaçávamos as mangas e íamos atrás de nossos direitos. Entráramos numa universidade federal e não tínhamos sequer uma biblioteca que prestasse, quanto mais estrutura como bandejão e moradia.
Agora acabo de sair da cerimônia da minha colação de grau, uma cerimônia muito simples, pouquíssimo solene e bem rápida. Não tô nem acreditando que conclui o ensino superior. E devo confessar que estou contente. Não porque julgue grande coisa me formar na faculdade - qualquer idiota tem diploma superior hoje em dia - mas porque isso é uma conquista pessoal considerável diante dos contratempos que tive que enfrentar no caminho, tais como doença e trancamento de matrícula. Fiquei por mais de dois anos distante dos bancos da universidade e, quando retornei, ainda encontrei muita dificuldade pra enfrentar os obstáculos burocráticos.
Nunca fui muito afeito à disciplina e, depressivo e sem ânimo, tive que superar embaraços em decorrência de minha personalidade difícil e a natural resistência de um ambiente que pode ser muito hostil a alguém que se engaja politicamente e levanta a bandeira do comunismo.
Fui preso duas vezes por atuar no movimento estudantil. Primeiro em uma ocupação de reitoria e depois num piquete de greve. Apanhei da polícia, fui algemado e passei longas horas detido, coisa que me deixou muito esmorecido à época.
Mas enfim, hoje colo grau. E impossível seria não lembrar dos três colegas que perdi na filosofia. Os três se suicidaram. Os três eram jovens, negros e pobres. A gente sempre corre o risco de glamourizar o suicídio, coisa muita séria, mas penso que os três foram vítimas de um sistema perverso e sufocante, e, mesmo discordando da decisão que tomaram, penso que não sou ninguém pra julgar, e acredito compreendê-los. Gostaria de dedicar essa formatura a eles. Lúis Carlos, Tilene e Tiago. Que Deus os tenha.
E espero continuar na militância por um mundo mais justo e igualitário. Optei por ser uma pessoa letrada, coisa que não me faz nem melhor nem pior que ninguém, mas que me faz ter uma visão de mundo e uma leitura da realidade peculiares. Pretendo continuar estudando, e, como intelectual orgânico, me esforçando pra fazer alguma diferença pra melhor nessa porra toda. A graduação por si só não me valeria muito. Aos que se julgam importantes por um diploma na parede, segue a dica do título.

                      
                               
                                 Amar e mudar as coisas me interessa mais!
                                                   Belchior, Alucinação, 1976


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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Vamos aos fatos

Não adianta tentar pegar o Lula em contradição, dar mandado de condução coercitiva, enfim, todo esse jogo de cena. Isso só serve pra espetacularização da mídia golpista. Se não tem provas, não tem ilícito. Qualquer Zé Mané sabe disso.
Agora, e isso é pertinente apontar, pra Sérgio Moro isso não é problema. O congresso nacional votou um impeachment sem crime de responsabilidade; quer maior desconsideração da lei e do direito que essa?! A própria LavaJato é uma sucessão de violações aos direitos. Esses caras vão dar um jeito de pegar o Lula. Sem provas, só com convicção. E o episódio em questão vai entrar para um longa lista de irregularidades de um poder que em tese seria o maior responsável por zelar pelo pleno cumprimento da justiça.
Pra ser juiz é só se formar bacharel em direito e prestar concurso público, né. É simples, sem eleição, sem ter de se submeter ao crivo do voto. O sujeito vira um semi-deus, excelência. E pode vender votos, sentenças, pode ajudar o partido do coração e pode aderir ao fascismo da vulgaridade coxinha. Aí vira herói do brasileiro médio reacionário e burro. Pronto. Pode até sair candidato a presidente.
O duro é ver que os petistas religiosos acham que dá pra superar isso elegendo Lula ano que vem. Mas e se não tiver eleição ano que vem? E se queimarem a candidatura do cara? Tá ok, se ainda sim ele for eleito, qual será sua agenda na presidência? A petistada acredita mesmo que Lula guinaria à esquerda, coisa que não fez em oito anos como presidente?
Quem acredita em Moro é estúpido, verdade. Mas quem acredita em Lula tá quase lá. Não dá pra abdicar da inteligência e encapar o queremismo, o messianismo ou qualquer destas soluções rasas. É preciso ir à raiz dessa desgraça toda. E essa desgraça toda é sistêmica, estrutural. Só se muda por fora. Não é possível regenerar por dentro.
A esquerda moralista também não aprendeu essa lição ainda. Se dizem socialistas mas estão muito confortáveis com suas cadeiras no parlamento burguês. Só o socialismo, o comunismo, pra ser bem claro, trará solução definitiva. Sem fetiches, sem meias verdades.                    

*Mário Medina / Tendência Revolucionária - Psol

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sexta-feira, 21 de abril de 2017

Os cães ladram e a caravana passa

Nenhum político profissional é insubstituível no tabuleiro da democracia burguesa. Essas figuras são marionetadas por força muito superior ao que representam suas personalidades e trajetórias. O grande capital é o dono da situação, é quem paga a banda e escolhe a música. Ninguém está imune a ser corrompido.

A grande maioria dos atores políticos entra nesse mundo justamente pra isso. Não se trata de dever cívico, vocação para a política. Trata - se de interesses pessoais, altos salários, oportunidades a perder de vista num mundo de lobbys e propinas. O sujeito presta um serviço de testa de ferro, de laranja, porque é o capital que está acima de tudo, que manda e desmanda, que coopta elementos para dispensá - los quando assim o aprouver.

Isso aconteceu com Eduardo Cunha no ano passado, pouco depois de ter sido um dos principais articuladores do golpe; e isso acontece agora com José Serra, por exemplo, poucos meses depois de articular a entrega do pré - sal às corporações estrangeiras. Agora o sujeito é queimado em cadeia nacional por delatores da Odebrecht e em pouco tempo será mais um pária, um renegado, e cederá terreno a outro entreguista a serviço dos interesses imperialistas. Como Alckmin e Aécio caminham no mesmo rumo do descarte, o mais provável é que o próximo a ser convocado à presidência seja João Dória, bem ao estilo outsider, como Trump nos EUA. E virá com aquela conversa fiada de que é gestor e não político. E vai querer privatizar o que encontrar pela frente.

Está claro como em dia de sol aberto e céu limpo que o plano do imperialismo é queimar a candidatura de Lula para abrir caminho a alternativa abertamente neoliberal, pra avançar no ajuste fiscal e rifar conquistas sociais. Tudo para que o mercado seja escancarado às corporações americanas e que o erário público brasileiro continue religiosamente destinado ao rentismo.

Moral da história: muda - se os picaretas profissionais que encenam a farsa democrática mas a picaretagem é a mesma de sempre. Por isso a importância de apontarmos para um horizonte estratégico revolucionário. Só a revolução e o socialismo porão a termo essa lógica perversa para em seu lugar implantar algo diametralmente oposto. Por isso a importância de romper com o petismo e tudo o que ele representa, romper com os reformismos e ir na raiz de todo esse sistema de injustiças.

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quinta-feira, 20 de abril de 2017

CRIAR PODER POPULAR

A atual crise política brasileira, crise de representatividade, de corrupção sistêmica e institucionalizada, é a prova cabal de que só o advento de uma revolução socialista a implantar uma democracia direta em esquemas de conselhos populares seria capaz de livrar o país do peso secular que nos impede o pleno desenvolvimento de nossas capacidades.
O estado brasileiro, desde seu início, foi aparelhado por castas políticas que serviam a interesses externos, e nas poucas vezes em que se desenhou alguma autonomia foi submetido a golpes para que voltasse a satisfazer plenamente os desejos dos donos da situação, seja a metrópole portuguesa quando ainda éramos colônia ou os imperialismos britânico e norte-americano, este último interferindo em praticamente tudo o que se passou por aqui nos últimos três quartos de século. Estamos padecendo por uma estrutura secular de desigualdade e subdesenvolvimento, miséria e alienação. E a depender da classe política que temos, do judiciário servil às elites e da tacanha e nada nacional -desenvolvimentista burguesia que temos, permaneceremos estagnados, dependentes da flutuação do mercado internacional de commodities e amargando altos índices de desemprego,  vulnerabilidade social, violência e todo tipo de mazelas comuns ao grave estágio de decadência ao qual estamos atirados desde sempre.
Aliado à frações da burguesia nacional e surfando na onda de um período mais promissor aos países emergentes, o PT cedeu migalhas em sua gestão presidencial e até antes da crise de 2008 chegar violenta ao Brasil, logrou ceder poder de compra à população, limitado a produtos específicos, verdade seja dita, mas algo inédito até então dentro das expectativas das parcelas mais carentes da sociedade, para logo em seguida retirar direito por direito conquistas sociais e trabalhistas. Por sua ligação com os sindicatos e movimentos populares e vítima de um preconceito com as elites que não o aceitaram apesar dos serviços prestados, o PT foi duramente apeado do poder para abrir caminho a uma camarilha abertamente pró - mercado financeiro e incumbida de passar todo tipo de retrocessos, uma agenda violentíssima de ataques aos trabalhadores e aos programas sociais, o que já tem jogado parcela considerável da população na miséria novamente e vetado importantes mecanismos de inclusão social que poderiam garantir alguma dignidade apesar da crise.
A experiência com o PT foi dura para o povo, que nutria esperança no partido e que o viu aderir ao carcomido  esquema de poder baseado em alianças com o pior tipo de gente possível, ceder às chantagens, e, por fim, não resistir ao golpe, entregando o poder de bandeja aos contumazes estelionatários que agora se vêem à frente da situação. Tudo parece concorrer à conclusão que agora apontamos: não há diálogo possível com os poderosos, não há aliança razoável a estabelecer com eles. As duras atribulações a que fomos expostos nos levam a concluir que a solução é derrubar esses desgraçados de seus postos e assumir o poder, para que o próprio povo brasileiro, a frente da situação, faça por onde reordenar a economia de acordo com seus reais interesses, expropriando quem há séculos nos expropria e redistribuindo com justiça o que é fruto de nosso trabalho. Não há mais espaço para falsas alternativas, esperanças que não são nossas. Só o povo no poder vai fazer reforma agrária, vai estancar a sangria do pagamento da dívida pública e reverter verba para que os serviços públicos funcionem com excelência. A tarefa revolucionária no Brasil cabe à classe trabalhadora, e é exclusiva e inalienável.
O momento agora é de sistemática denúncia das arbitrariedades promovidas por esse desgoverno, ao mesmo tempo que apontamos para a necessidade de transição ao socialismo, com pautas de diminuição da jornada de trabalho e pleno emprego, salário mínimo vital com reajustes automáticos de acordo com a inflação, planos de obras públicas com controle operário, democratização da mídia e fim das polícias.            

CRIAR PODER POPULAR!                    



Imagem de comício na Praça da Sé. Greve geral de 1917Resultado de imagem para greves, imagens

sábado, 25 de março de 2017

O que é isso, pastor?!

Semana passada fui a um culto numa igreja de uns amigos, uma igreja pentecostal, e me ocorreu de escrever as palavras abaixo para um dos meus amigos que é membro da igreja. As seguintes palavras serviram pra justificar que eu não havia gostado do conteúdo da pregação que ali aconteceu, de um rapaz que dizia que Deus faria o pessoal ali prosperar, com carro, fortuna, etc. Acrescentei e alterei algumas poucas palavras pra especificar melhor algumas ideias, que não alteram em nada o cerne da carta. Julguei pertinente publicá-la aqui porque é fruto de uma observação que acho muito relevante.

Eu tenho muita objeção com essa linha da chamada teologia da prosperidade. E o pregador girava muito em torno disso, falando que as pessoas poderiam prosperar e se tornar empresários de sucesso e tal. Em determinado momento da ministração da palavra fiquei com a impressão de estar numa palestra motivacional, e não em um culto evangélico. O eixo da pregação era de um discurso bem batido nas denominações neopentecostais.

Se a gente vê o canal da Igreja Renascer, por exemplo, poderia aqui citar diversos canais para exemplificar, a gente nota que eles sempre seguem o mesmo padrão, inclusive se valendo de trechos do antigo testamento para ilustrar as mensagens, que quase nunca mudam, sempre girando em torno daquele velho chavão da promessa e da fé. ''Deus tem promessas extraordinárias e a gente tem de ter fé que assim teremos sucesso na vida'' .

A reforma protestante surgiu com algo semelhante e não foi à toa. Lutero e Calvino foram líderes de um movimento eclesiástico que teve a função de validar teologicamente o estabelecimento do capitalismo comercial daquele tempo. Isso a gente aprende no ensino médio: Weber e a ética protestante, o puritanismo de uma vida ascética e produtiva, etc.

Eu eu sou definitivamente adepto de uma outra visão de mundo, mais propositiva, mais globalizadora. Vejo esse protestantismo como um expoente do individualismo, burguês, às vezes reacionário e perigoso; e sou muito adepto da teologia da libertação de Leonardo Boff e Frei Betto. É uma visão mais progressista de mundo, que se vale dos instrumentais do marxismo e que focaliza bastante a espiritualidade extremamente humana de Jesus, a grande novidade do evangelho que rompe com a velha lógica dos preceitos da lei para dar espaço ao coração e às necessidades do homem.

O evangelho de Jesus quebra com a lógica da meritocracia e institui no centro de tudo a GRAÇA. Deus já não abençoa pra honrar os méritos do homem que é fiel, mas Deus abençoa porque É fonte de toda graça. Não nos enganemos, o Deus de Jesus é um pai misericordioso que acolhe e que cuida, sem julgar merecimentos, e sim por puro amor.

É infantil ou é perverso afirmar que eu só vou conhecer a promessa de Deus se trilhar um caminho x. E aqui abro um parênteses pra recordar uma frase muito bonita de um frade franciscano que conheci, que dizia que não abandonamos ou voltamos aos caminhos de Deus, pois eles são peculiares.

Pra retomar, Deus dá a graça porque Deus é misericórdia. E ele dá a graça quando entende oportuno. Vamos lembrar da passagem do evangelho em que Jesus fala que para entrar no reino dos céus é preciso ser como uma criança. Os discípulos vinham no caminho discutindo para ver qual deles era o maior. Jesus coloca uma criancinha no meio e diz que os últimos serão os primeiros.

Não é o que mais merece que vai ocupar esse lugar, é o que mais precisa. Jesus inverte a lógica desse mundo, que hoje em dia a gente pode identificar no atual estágio do capitalismo financeiro, que é concorrencial, utilitarista.

Jesus vai pro meio dos pecadores que estão à margem. Jesus não se resigna aos banquetes escrupulosos dos sacerdotes do templo, fariseus e doutores da lei, que não se misturavam aos ''impuros''. Jesus vai anunciar o reino às prostitutas, vai acolher os leprosos, vai, por exemplo, jantar na casa de Zaqueu e restaura vidas de pessoas que ninguém queria saber.

Falo isso porque não consigo imaginar Jesus numa igreja explicando pro pessoal o que fazer pra prosperar na vida, pra ficar rico, acumular propriedades, etc. Usurparam a figura de Jesus pra um discurso de amoldamento social que é extremamente pernicioso.

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Carnaval não é comigo!

Tenho uma confissão a fazer. Não gosto de carnaval. Na verdade nunca gostei. Quando eu era criança minha família me levava pro carnaval e sempre tinha que vir alguém comigo antes do horário, porque eu ficava profundamente incomodado com aquela barulheira, com a aglomeração, com as serpentinas caindo por cima. Olhava aquela turma mega-animada e ficava me perguntando do porquê de tanta euforia. Naquela época, quase trinta anos atrás, devia rolar lança perfume adoidado. Eu não vou lembrar.
Falo de bailes de carnaval em clubes, lugares fechados. Em São Paulo não havia tradição de carnaval de rua. Agora retomaram a moda dos blocos de rua e o centro da cidade virou uma bagunça. Parece que os banheiros químicos disponibilizados pela prefeitura não bastam à multidão que se comprime nas ruas. Ou então essa galera não gosta de urinar em banheiros químicos. Muita gente tem urinado ao ar livre. A gente passa pelos cantos menos iluminados e sente um cheiro forte de urina. Até as meninas tem feito xixi no meio da rua. Um conhecido meu dizia, horrorizado, que agora as moças tem duas manias ruins: coçar a virilha em público e urinar no meio da rua. Esse conhecido é mais velho e não anda contente de ver a mulherada se libertando de arcaicos estereótipos. 
Essa polêmica de fazer xixi na rua me fez lembrar outros carnavais, os da praia. Não sei se ainda acontece, mas em um deles na Praia Grande vi que uma das diversões do pessoal era mijar em saquinhos e atirá-los nos pés das moças bonitas. Carnaval poder ser bom pra quem gosta mas é inegável ser uma data em que a razão cede espaço aos instintos mais primitivos e onde muita gente perde a noção do ridículo. O que é perfeitamente aceitável quando, apesar de tudo, há respeito e a diversão de uns não infringe o sossego e a privacidade de outros. É difícil, mas se não for assim vira terra de ninguém.
Eu topo ver o carnaval pela tv, contemplando os belos corpos das passistas, assistindo pela Globo News os blocos de rua Brasil afora e me assombrando com a coragem das pessoas em se meter no meio de uma multidão e passar por todo tipo de aperto pra seguir na retaguarda de trios elétricos que emitem sons tão fortes que me fariam colocar o coração pela boca.
Eu adoro flanar por aí e por curiosidade passei pelo carnaval do centro de São Paulo. E me espantei com o cenário de fim do mundo. Ruas extremamente sujas e com forte cheiro de urina, gente caída, atravessada nas sarjetas, gente vomitada, gente passando mal. Era a barbárie.
O carnaval dos bolivianos perto de casa tem tudo isso também, mas com uma porra de um spray de lata que as pessoas ficam espirrando umas nas outras. Esse ano já tive que alterar meu caminho para não ter de passar por lá. Ano passado me espirraram espuma até não poder mais. As pessoas saem irreconhecíveis do mar de gente que troca jatos de spray de espuma.
Bakhtin tinha a tese de que o carnaval é um período em que quebram-se hierarquias, padrões e condutas normativas por um breve espaço de tempo em que vigora uma permissividade capaz de despertar e efetivar, ainda que muito fugazmente, desejos e fantasias reprimidas.
E talvez, e esse é um medo que tenho, minha antipatia com o carnaval seja uma reserva de fundo moral, uma internalizada objeção ao caráter libertário da festividade. Todo mundo traz em si contradições que reverberam ora aqui ora ali sem que haja deliberação objetiva para tal. Às vezes eu me assusto com algumas inclinações. Será que essa minha antipatia com a folia é um ato-falho a revelar o que eu trago de mais aristocrático escondido em mim?
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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Pixote / Clássicos do cinema nacional

Sabe quando a gente gosta muito de um filme e assiste várias vezes? Eu adoro ver bons filmes. Assisto umas 10 vezes sem me importar. Com os filmes ruins eu não tenho paciência. Mas os bons, ah, os bons eu assisto mesmo! É um deleite rever um bom filme. Essa semana tava zapeando na tv e vi que tava passando Pixote no Canal Brasil. Me detive ali na frente da tela pra saboreá-lo novamente.
Pixote é um excelente filme, cativante, sensível, extremamente bem feito, com uma ótima trilha sonora, atores muito bons. Tava vendo o filme e me lembrando que ano passado morreu seu diretor, Hector Babenco, e duas atrizes, Marília Pêra e Elke Maravilha. Os três, extremamente talentosos, deixam saudades.
Esse filme Pixote foi lançado em 1981. Tem tempo, hein. Eu não era nem nascido. O longa entrou pra história do cinema nacional. É de um tempo em que o cinema brasileiro não andava muito bem das pernas. A ditadura ainda não havia acabado e os cineastas sofriam terrivelmente com a censura. A moda da época era a pornochanchada, que nos últimos anos ganhou status de cult. Com o perdão da extrema sinceridade, julgo que não foi um interstício muito rentável para a sétima arte no Brasil. Eu já vi filmes bons dessa época, mas pouquíssimos. Em geral eram filmes tecnicamente muito aquém de alguma qualidade visual e sonora, de movimentos de câmera pouco criativos, com temáticas rasteiras, quase sempre apelando para indecorosos jargões do populacho
Depois da florescente fase do cinema novo, com Glauber Rocha a frente, uma maré infrutífera de filmes grosseiros, mal-gravados e pululantes em clichês, Pixote marcou época na esteira do cinema marginal, quando surgiu a efervescência dos temas sociais, que tratavam de marginalidade, crime, etc. Em 79 foram lançados dois ótimos filmes: Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto e Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues. Cacá  Diegues, aliás, é um dos poucos que se salvam nesse tenebroso período do cinema nacional dos anos 70.
Mas, retomando Pixote, cumpre pontuar que marcou época, abrindo em grande estilo um ciclo primoroso de nosso cinema. Do mesmo ano de Pixote é outro clássico do teatro brasileiro da época que ganhou projeção nas lentes de Leon Hirshman, o também tocante Eles Não Usam Black-tie. Outro grande filme. Se não assistiram, assistam!

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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Tá tudo errado nessa porra!

Essa semana tava conversando com um amigo e explicando pra ele o porquê das minhas angústias. São muitas, é verdade. Sou um melancólico assumido e ando niilista ultimamente. Argumentei com esse meu amigo: ''Tá tudo errado nessa porra''.

Argumento curto e grosso, sintético, enfático, assim, dito na lata, pra resumir o descontentamento que é generalizado. A economia tá ruim, não tem emprego, não existem boas expectativas na política. Minha geração tá fudida e mal paga, vamos falar o português claro. Enfim, tudo compete para um desarranjo existencial . Crise existencial combina com crise financeira, crise de representatividade, crise geracional, etc.

O processo civilizatório é um notório fracasso. O que esperar desse mundo depois de Auchwitz e Hiroshima? São tantos dramas particulares e coletivos sucedendo-se aos borbotões às nossas vistas! Tá passando do tempo que angústia existencial era coisa de burguês bem alimentado no divã do analista.O colapso é tão dramático que a depressão anda mais democrática que nunca, a violência é generalizada e o ódio tão disseminado como em outros períodos super-preocupantes da história.

Estaríamos à beira de um regime fascista, de uma guerra civil?! Não! Espera! O Brasil é o lugar da paz. Eu mesmo moro num bairro em que judeus e árabes se cruzam na rua e nem se olham feio. Tem chinês, coreano, boliviano, peruano, indiano, haitiano...ufa! Segue uma lista grande, com destaque para refugiados sírios agora.

Outro dia passei na frente de uma igreja pentecostal de coreanos. Um membro da congregação brincava com um garotinho boliviano na porta do templo improvisado em uma antiga garagem. Eles interagem. Olha que bonito. Coreanos comerciantes e bolivianos miseráveis. Do lado um café árabe e um açougue kosher. Na mesma calçada. O Brasil tem dessas coisas mesmo.

Mas não preciso caminhar muito pra encontrar um senhor reacionário dizendo que Marisa Letícia morreu foi tarde. Na minha rua, a mesma rua dos pentecostais inclusivos, outros diriam proselitistas, e dos muçulmanos que tomam cafezinho e fumam narguile na calçada, encontro um rapaz que me fala de sua admiração por Bolsonaro.

Navegamos nas redes sociais e vemos que há muita gente assim, vemos que um médico sugere aos colegas romper o procedimento de Marisa Letícia para matá-la, vemos que uma outra médica vai à porta do hospital com um cartaz dizendo que Lula perdeu o dedo amputado no cú do povo brasileiro, vemos que os presidiários de Alcaçus promovem uma inédita interrupção de rebelião para um culto evangélico e voltam a cortar cabeças de rivais como se nada tivesse acontecido.

O Brasil é país de terceiro mundo, natural a barbárie, diria o cidadão com complexo de vira-lata. Esse cidadão vai ter que rebolar um tanto para entrar nos States e fugir da miséria tupiniquim. Acontece que o tal do Trump vai vetar o passaporte de meio mundo antes de construir o muro do México e comprar brigas nucleares com Irã e Coreia do Norte. O liberalismo que os ianques gostam é o que defendem para o Brasil dos golpistas. Rifa-se o Pré-sal e garante-se os juros do sonho dos investidores-rentistas.

Sou de uma geração que só entende uma figura de linguagem, a da ironia. Nosso gosto literário mais promissor é aquele estilo Tati Bernardi, pra descontrair com nossos reveses do cotidiano. Pode parecer que tento o mesmo com as palavras acima. Não me confundam. A porra toda tá errada e eu não quero me envolver com isso.

O colapso é linguístico também. Educacional, cultural... Talvez o mérito maior do momento seja o de diagnosticar o colapso pelo qual se passa. Nisto estamos mais próximos de um consenso.

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Histórias de busão

Entrei no coletivo e sentei na frente mesmo. O ônibus ia quase vazio e eu tinha que esperar uns minutos pro bilhete liberar outra viagem. Num banco a poucos metros do meu se sentou um rapaz cheio de tatuagens e pulseiras no braço, um tipo malandro, cabelo descolorido e óculos escuros pendurado na altura de um topete em riste que era puro gel. Além de chamar atenção pelo visual excêntrico, o rapaz cantarolava:
_ Tira a calça jeans, soca o fio dental, morena, você é tão sensual...
O refrão nem chegara ao final e o motorista interrompeu:
_ Ô, campeão! Não é ''soca o fio dental'', corrigiu. _ É ''bota o fio dental''. E concluiu: _ Assim você me quebra, campeão! Tem senhora, criança aqui. Não pega bem esse negócio de '' socar o fio dental''. Não é mesmo, alemão?! - indagou olhando na minha direção.
Fiz questão de não responder nada. Odeio quando me chamam de alemão.
O ''cantor'' fez uma cara enfezada e desistiu de sua música. Estava constrangido.
A viagem seguiu seu rumo e eu passei pro lado de trás. Perto do meu lugar se sentaram duas moças. Estavam ouvindo música numa caixinha de som dessas portáteis. Escutavam o hit do verão ''Meu pau te ama''. Uma periguete rodou a catraca e se dirigiu às moças.
_ Oi! Onde é que vocês descolaram essa versão? Só tô encontrando a do ''papai te ama''. Papai é uma porra, nóis qué ouvir o som que dá a letra certa né, mano!
Eu não estava com sorte naquele dia. Mas depois lembrei que fazia dez dias que não via ninguém escutando música com referência à genitálias. Naquela semana eu tinha visto uma senhora crente ouvindo música gospel. O resto do povo ouvia suas músicas com fones de ouvido.
Saltei no meu ponto decidido a fazer as viagens com fone de ouvido e olhos fechados dali em diante. Estava vendo e ouvindo muitas coisas ultimamente.


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